quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Entrega


O capitão segurava o leme, num desses arrombos de maus pressentimentos. Quando a maré é muito calma, é porque as nuvens se aproximam. O barco já envelhecido, mas com o casco que sobrevivia ao mar atravessava o final de tarde. Não era exatamente um capitão caricato com barba, perna de pau e papagaio. Mas tinha aquela postura que o oceano dá àqueles que muito viram em suas águas. Quando o mau vento vinha cada fibra de seu ser sabia o que era quebrar as pazes com a imensidão.

O céu preparando-se para deixar a lua chegar sentia no fundo aquela sombra cinza que apagava o brilho das estrelas. A cortina que se tornaria negra no contraste do céu escuro. De tanto se afogar no ar ele já sabia, iria preparar os homens. Não temia as águas, mas seu único medo (aquele que deixa o coração fora do peito como se um buraco estivesse se abrindo) era que uma coisa se perdesse naquela azul.

Para os marujos novatos o mar nunca parecera tão bom, calmo e sereno para navegar. E aquela parte interior que cada um só conhece a sua desdenhava das ordens do capitão. Como previsto o breu e o silêncio que precedem a fúria afundaram-nos em cima da água. Antes de repirar o último fôlego o céu clareou e a água salgada começou aquela dança tenebrosa da tempestade. O som veio logo depois estremecendo cada sentido naqueles que se aventuravam a desafiar o filho de Netuno.

Só os apaixonados entendem as águas revoltosas, apenas esses conseguem preferir o limiar da vida aos pés no chão. Embora, antes temer e voar do que ser eterna raiz na terra. E era esse o grande amor do capitão aquele sentimento infindável que só é possível se sentir olhando nos olhos. O mar eram seus olhos e como todo o grande amor era entregue naquelas ondas, sem medo, exceto por um pedaço seu que deveria chegar a terra.

Quando tudo acontece muito rápido é que o mundo passa devagar. E sem mais nem menos como um cobertor suspenso no ar prestes a tocar a cama o mar abraçou o barco. E aquelas memórias que só voltam quando se sabem preciosas para serem revividas mais um instante apareceram. Lembrava-se do cheiro de sua mãe, da terra firme, da terra mole que virou seu lar, de vários olhos, daqueles que passaram, dos que partiram, de alguns abraços, suspiros, de como foi perder-se, do gosto do sal naqueles mares. Sim, do gosto do sal, porque os sabores mudam conforme a maré e as histórias.

O que não podias desaparecer dos outros humanos era o que carregavas no bolso. E aquela ferocidade só podia ser amor, pois aquele oceano sabia quando seus antigos filhos deveriam voltar para o berço. Ele segurava a sua vida humana que antes estava no bolso em suas mãos porque sabia que seria o seu ser naquele último gesto.

O mesmo silêncio que a precedeu dizia que a tormenta passou, e os atormentados tripulantes se seguravam na insegurança marítima de sua sorte e coração, sem entender o amor daqueles braços de água. O naufrágio é sempre o bojador para os apaixonados, o batizado para aqueles que iriam fazer do mar a sua terra.

Enquanto se lutava contra a morte na superfície o capitão afundava no sal com as mãos abertas com a certeza de que a areia iria carregar até os pés de algum desavisado a sua alma. Não iria negar este último pedido das águas e deixou-se.

Alguns não voltam para a superfície, apenas viram tritão.

Mayara Floss

domingo, 4 de dezembro de 2011

Estatística


A terra é redonda, nós é que gostamos de por tudo em quadrados. E em todos estes lados deixamo-nos como dados para a próxima jogada. Que já se aproxima. Cubos e tudo com muitas arestas, porque é mais fácil de calcular é melhor e mais exato. A questão, é que não somos retos, perfeitos e enquadrados, mesmo que nossos átomos em teoria alinhem-se assim. A vida é um círculo, ou pelo menos, algo que não tem um cálculo exato e fica com vários números atrás da vírgula. Somos redondos e imperfeitos, porque esfera de verdade só na idealização dos matemáticos. Somos enumeráveis, mas não somos números, mesmo que o censo trate assim. Somos graficáveis, quantificáveis, tabeláveis e um monte de dados. Mas os dados não nos conhecem, não nos expressam e estatisticamente não mudam nossas vidas, mesmo que aplicáveis. Podes fazer múltiplas escolhas, mas não a sua escolha, podes escrever sobre o que quiseres, mas provavelmente estarás fora da curva normal e a sua amostragem de vida será muito pequena para a nossa realização. Correm atrás dos números, classificam, categorizam, elevam , mas os resultados continuam sendo números e as considerações finais uma sugestão para uma repetição, reavaliação e reestruturação, porque tudo muda, menos os números. Somos nada mais que cubos mágicos que com a fórmula certa dão um bom gráfico. Mas pergunto aos números, numeradores e eu que sou numerado, por quanto tempo vão me deixar estatisticamente calado?

Mayara Floss

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ser


Sou mais mar e flor
do que cabe nas palavras
dos poetas
Sou a pequena menina
A própria esquina
Sou vela de canção
E barco de coração
Sou o espelho
E o meu eu inteiro
Sou minha pele,
meu sono e minha
insônia
Minha garganta
Minha alma
E minha janta
Sou o passageiro
O entregador
E o mês de agosto
e janeiro
Até, o ano inteiro
Sou o médico e o estivador
E quando a maré está boa
Sou pescador
Desta lagoa
Sou sentimento
E até instrumento
Sou o vento que me bate
na face
E sou a face do interior
Como as palavras não se
fazem sem as letras
Sou alfabeto
Pedaço de estrela
E até um livro aberto
E às vezes fechado
Sou o muito obrigado
E areia
A sujeira
E o cansaço
Sou todo o espaço
Sou o infinito
E o infindável
cabe dentro de mim
Sou em todos os aspectos
O tato, o teto
E o inseto
Afinal, se no passado
fui madeira
Silêncio e até poeira
Hoje, sou violão
Pedaço de canção
Antiga oração
E inteira de coração

Mayara Floss

domingo, 27 de novembro de 2011

Carta aos professores


Professor,

Dessa vez não é a comemoração do dia do professor, mas o final do ano, em que as notas parecem falar mais do que as pessoas. E o nosso ensino aparentemente se resumiu em boletins, em colas para ir bem nas provas e articulações minuciosas para “subverter” o sistema. De fato os traquejos existem.

De fato várias falhas existem. Porém, quando escolheste ensinar, levar a luz aos seus alunos (seres sem luz de acordo com o latim) era porque acreditavas, e espero que ainda acredite no conhecimento e no poder do saber. Hoje, são muitas dificuldades, salários, desatenção e afins. Parece que tudo pode se aprender com a Wikipédia, o Google e o Youtube. Parece, mas não o é. Ainda, quando o livro parece ser maior do que você, e toda a teoria e muitas vezes arrogância leva ao desânimo, espero que isso não diminua a sua experiência e o desejo de orientar que move, ainda hoje, os avanços da humanidade.

A diferença é que ainda somos humanos e aprendemos com humanos. Muitas páginas de teoria podem ficar pequenas com um simples olhar. Muitos códigos de HTML e FLASH da internet podem ficar minúsculos frente a empolgação e a mão amiga de um professor. A vida é feita de escolhas, a escolha de ser professor possuí aquela ânsia de ver seus alunos um passo a frente de quando vieram as suas mãos, de ter certeza que será estendido e transbordado o seu conhecimento e das suas vivências naquelas jovens mãos.

A vida é feita de aprender, pode ser feita de esquecimentos, mas é feita de aprender. Um dia aprendestes a andar, outro a falar, outro a ler, outro a escrever, a dirigir, a trabalhar, a utilizar o banheiro. E ainda, não aprendeu tudo o que és, sempre o conhecimento é um conjunto, talvez não na forma exata de professor e alunos, mas apenas de pessoas com vontade de ensinar e aprender. Talvez, em miúdos, o professor seja a profissão mais antiga da Terra.

Se pensas que a profissão de professor está antiquada, repense, pois aqui estão alguns exemplos: Trousseau (1801-1867) foi um professor apaixonado que treinou nada mais, nada menos do que Lasegue, Brówn-Sequard e Da Costa. Já na segunda metade do século XX , existia uma professora grandemente inspiradora chamada Sophie Wolfe, de fato, ela sequer foi alçada ao posto de professora, era apenas a administradora dos laboratórios de ciências. as criou ali um clube de ciências, onde ensinava os alunos a discutir ciência entre si. Dentre os freqüentadores desse clube podemos citar: Arthur Kornberg (Prêmio Nobel de Medicina de 1959), Paul Berg (Prêmio Nobel de Medicina de 1980) e Jerome Karle (Prêmio Nobel de Química de 1985). Todos eles renderam homenagem a Sophie Wolfe. Entre tantos outros, não importa a posição, mas o que faz com os alunos.

Muitas vezes é muito difícil ser professor. Os humanos, ultimamente, parecem tão desinteressantes, mostrando conhecimentos limitados e que qualquer tablet consegue suprir essa falta. Parecem, porque, ao menos na medicina, quanto mais avança a tecnologia, mais se fala sobre a nossa desumanização (acredito que isso se estenda aos outros cursos, ensino médio e fundamental). Precisamos de professores, de mentores para nos espelharmos, somos os pedaços de tudo o que juntamos.

Como já disse Paulo Freire “fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem ‘águias’ e não apenas ‘galinhas’”. A frustração faz parte do crescimento de ensinar, porque apesar de professores, ainda somos alunos da vida. Ainda, a educação não é vertical, sempre há uma troca e aprendemos com essa grande maestrina, a vida.

Talvez, neste exato momento, seja difícil veres o teu papel e o que fizestes. Mas não podemos conectar os pontos olhando para o futuro e sim, apenas, olhando para o passado. Que continuem sendo professores, bons professores, e que possam esparramar-se dentro de cada um dos seus educandos.

Com carinho,

Mayara Floss

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Corpo e alma


No universo do corpo ambíguo do violão
Nas cordas rotas dos meus dedos
Que rasgam silêncios sem palavras
Apenas com sentimentos
Cada vibrar de som desta guitarra
Que pulsa nesta madeira
Que se deleita nas formas e trastes
Que desafinam o meu coração
Que estende-se em vida através dos dedos
E me desafiam neste bojo
Que entranham os sons de minh'alma
Neste poço de paixão
Neste guitarrear de sentidos
Somos corpo e alma, violão

Mayara Floss

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Hoje



Hoje as portas vão se abrir
Porque não cabe estrada
Nem a distância, nem chão
Os poetas vão sorrir
Para poder escrever abrigo
Hoje vou sair com os amigos
Não vou deixar que as letras
Sejam de melancolia
Porque a miséria não cabe
Nesta alegria,
Vou roubar aquela estrela
Para colocar na sua janela
E mostrar que o pequeno
É o brilho da nossa rede
Deixem se confessar
A chuva que me banha
Que me lava, é o sol
daquela estrada
Deixa o coração bater
E a vergonha escancarada
Porque o dia vai amanhecer
E a madrugada é cheia de vida
Quero dançar a ciranda
Contar histórias de criança
Sem nostalgia
Porque hoje, sou poesia
Minha alma quente,
Em chama, vela, voa
No brilho da lagoa
Do que me encontro
Sem medo da lua
Vou rasgar esse cegueira
E para o frio numa lareira
Com essa intensidade
Porque amanhã não tenho garantia
E o vento levará a nossa folia
É muita dor para pouco
Deixe que essa sede de ser
Seja simples, porque sorrir
É abrir a tristeza
Porque a beleza
Está na nossa leveza
E onde quer que eu esteja
Que esse seja, ao menos hoje,
O meu sinal

Mayara Floss

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Doce sal


Meu mar
Minha porção de sal
Minha terra azul
Meu pampa de água

Embala a alma
Balança minha calma
Deixa o sol entrar
Deixa a pele tocar

Chama-me Pela janela
Castelo de areia
Pedaço de sereia
Braços abertos de Iemanjá

Canto uma pequena
Canção para a lagoa
Para a poesia
Dessa água doce

Que também é sal
Tão temperamental
Tão agosto
De tantos gostos
De tantos meses
e que banha o laranjal

Banha meus dias
E a sede dos meus olhos
Se faz alegria
Quando é berço
E adormeço no seu infinito
E simplesmente aconteço
Em tuas ondas

Cada ilha
Cada fronteira infinita
Quantos marinheiros
Quanta pólvora e
Quanto pescar as dores
na Torotama
E um pedacinho meu
é Taim

Aqui as lágrimas
Não são de Portugal
Mas a pena vale
E pequena é a alma
Daqueles que não amam
Este teu doce sal

Mayara Floss

domingo, 13 de novembro de 2011

Recrutas


Uma singela homenagem ao projeto que participo
"Recrutas da Alegria" no Hospital Universitário
da Universidade Federal de Rio Grande

Se acalma com a simplicidade
de um arco-íris
afinal viemos de outra cidade
De outro canto
De outro lugar

E sim a tinta é nossa pele
mais despida
É nosso sorriso mais sincero
E nossas lágrimas mais queridas

Todas as técnicas
De silêncios e de falas
De corpo e de amarras
Perdem o sentido em uma risada

Renascemos com cada mão
Com cada olhar
Com cada pequeno carinho
E bailamos no saguão
Para espantar os inimigos

Bolinha de sabão
Aperto de mão
Bichinho de balão
E estamos prontos

E se na lua há
Brotos esquisitos
Todos já foram nos namorar

Talvez não tão espertos
Na arte de curar
Mas certamente despertos
Para amar

Mayara Floss

Conheça melhor o projeto: http://recrutasdaalegria.blogspot.com/

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ontem


O tempo pode ser uma unidade musical. Um espaço entre os ponteiros do relógio. Uma previsão. Um formato verbal. O tempo é a unidade que nos separa do nosso nascimento até a morte. Porque o tempo é a consciência de si, do envelhecer e das modificações. O tempo não para. Ou melhor, o tempo só tem valor com a intensidade do que se vive. Não existe falta de tempo, mas falta de intensidade. Entramos em rotinas que colocam nosso tempo em uma escala de ontem, tudo é para ontem e o que pode postergar é para amanhã.

E assim vivemos em função do que passou e o que podemos dividir para amanhã. O presente, não é aquilo que recebemos (ou não) no natal ou no aniversário. O presente não é tempo verbal, nem uma unidade musical, nem a distância entre os ponteiros do relógio. O presente é o que te move, o que movimenta o teu interior o que te conquista a cada dia e aproxima-te do teu final e afasta-te do teu início. Não, falar de final não é ruim, é o ciclo. É parte do todo que fizemos. Porém, no final é que queremos as coisas diferentes e não no presente, é sempre no final que pensamos que poderíamos ter feito diferente.

É perto do fim que pensamos sobre porque não parei de fumar, brigar, trabalhar, beber. É no final do namoro, do casamento, do mês, da faculdade, do trabalho, do mestrado, do doutorado, do estágio, do ano e no final dos finais, da vida... É no final que queremos a intensidade do presente, que pensamos e refletimos sobre o que passou. E aí entramos na questão dos prazeres, porque antes viver bem poucos anos do que ter uma vida longa. Será?

Por medo de julgamentos é melhor não se expor, não mostrar os sentimentos. Todo o tempo com medo dos erros, de errar e na tentativa eternamente frustrada de ser o melhor. Muitos dizem que vão aproveitar o tempo nas férias, naquela viagem, ou no feriado. O inquietante disso é: o que fazes no resto do tempo? O tempo é um só, os humanos que gostam de fragmentá-lo para caber nos ideários de produção.

O que podemos dizer hoje, é que as fronteiras são menores (para alguns, porque é ideia errônea pensar que todos tem acesso a tudo e que somos o pequeno centro umbilical), que a expectativa de vida em geral aumentou, mas que as reclamações são maiores, o tempo é menor e todos querem dias com mais de 24 horas.

O relógio virou uma moda sem precedentes de todas a cores formatos e estruturas. Para a parede, para o pulso, para correr, para monitorar, para despertar. Mas será que despertamos, acho que sempre estamos para ser despertados. Desperte-se do tempo.

...

Apesar de tudo, o nosso despertador irá tocar amanhã.

Mayara Floss

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

(In)completa



Para cada lugar que fui
e que vou
Fui adotando novas pessoas
Para meu coração

Fui envolvendo novos
Pedaços de chão,
mar ou canção
Pequenas partes minhas

Fui deixando-me, também
pela estrada
Não com egoísmo
Mas por fazer parte
Daquilo que me participa

A vida é quebra-cabeça
E em cada pedaço
Vamos preenchendo os
nossos espaços

Encaixando as nossas
próprias peças
E confesso:
Só assim consigo ser
Sou completamente
(in)completa

Mayara Floss

domingo, 6 de novembro de 2011

Dor


“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”

Fernando Pessoa


A dor é nosso íntimo mais desperto, o nosso furacão e a face da nossa personalidade nua. Doer é afundar em si e ser humano, porque os outros sentidos são mais paz e serenidade do nosso ser, mas a dor nos leva ao mais profundo e o que não queremos exposto. A dor é a chama que queima em nosso corpo. Porque a dor não se esconde com um sorriso, nem com palavras, nem movimentos. Ela despe as máscaras e mostra o quanto precisamos de amparo, cuidado e proteção. Doer pode colocar uma tristeza imensa, um desassossego e fazer secar o nosso poço de calmaria. A pior dor não é aquela que nos relatam, que vemos ou que tocamos. A pior dor é a que sentimos. Ninguém pode doer, entender ou comparar a dor, todas são profundamente diferentes, apesar de poderem ser lidas e registradas mentalmente como entidades parecidas. “Eu entendo a sua dor”. Entender a dor, é algo muito complexo que a nossa face coberta não consegue fazer, apenas mascarar e sentir um pouco da dor do nosso par, porque por maior que seja a muralha, a dor contamina e dói um pouco nos que estão perto. É desconfortável falar de dor, a não ser que torne o fato mecânico e não entre no seu consciente de dor. A dor é surda ou em aperto, ardência, queimação, irradiada, cólica, pontada... e até a dor é doída. Na nossa pele é que queremos estar porque é nela que suportamo-nos. E se a ideia for doa a quem doer, diria apenas doe-se. Porque doar-se implica em doer, em sentir em entregar-se. A dor é a entrega da nossa pele, do nosso ser, do nosso silêncio interior. A dor de perder, de sentir, de morrer, de renascer, a dor de bater o dedinho do pé no canto da porta, a dor de doer. Não, não que a vida seja dor, não que a dor seja patológica, a dor é sentimento. Por favor, antes de entender, compreender, saber e diagnosticar, apenas sinta. Porque nem sempre o alívio da dor faz ela deixar de doer.

Mayara Floss

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Incerto


Acredito no incerto.
Porque o certo
já está certo e pronto.
Não nos leva a caminho nenhum.

Pode-se escolher
a vida que queres
Mas não poderá escolher
a morte que queres

Por isso, siga o incerto
Porque ali avistará
Ao menos o imprevisto
no caminho

Vista o incerto, porque
ele tem mais possibilidades
E menos probabilidades

Pelo incerto, feche o seu guarda-chuva
As incertezas é que avançam
a humanidade


Mayara Floss

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Boca


Cuidado, que qualquer bar de esquina
Pode te embriagar
Que qualquer sufoco
Ardência e desânimo
Podem borrar a maquiagem
E quase conseguimos novamente
Contornamos a vida
Com um lápis
Mas é o lápis que risca
Os nossos limites
E se a lua tem uma face escura
O sol talvez possa também
não ser tanta luz
Talvez um quase brilho
Uma quase escuridão
Porque o cientificismo
Acaba com um olhar
E começa nos olhos
E de tantos quases, só prometa
Não desbotar o vermelho do batom
Porque os lábios
São o limite da solidão da alma
Mayara Floss

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Humanidade


Às vezes,
Alguém tem que soltar
a mão da roda da vida
Para fazer os outros
refletirem
Porque aos que ficam
Fica a partida
Por isso que manuseamos
a agulha do tempo
Que a cada ponto
Risca a nossa face
Enquanto costuramos
as nossas constelações
Para tecer o teto do mundo
E para aquele que vai
O porto não foi seguro
o suficiente
Enquanto nos abraçamos
Em marés de lágrimas
E vemos as asas se abrirem
contra a luz das estrelas
Não cabe nenhum entendimento
Nem explicação humana
Para as desepedidas

Mayara Floss

domingo, 23 de outubro de 2011

Imagem


Desde quando
Prendi-me neste corpo
Uma estátua
Cheia de movimento
Cheia de olho
Cheia de silêncio
Desde quando assisto
o mundo
Passo pelo tempo

Chove em meu corpo
Deságua em mim
E continuo preso a terra
Vejo esta guerra
E não consigo me mover

Quando fiquei estático
Apático, sem envelhecer
Já fui de vários arredores
Enfeitei alguns corredores
E servi de elogio
Para bem me fazer

Vim de um forno, de barro
E sou simplesmente
O molde quente
De uma mão apaixonada
Que criou-me
Para assim parecer

Meu corpo não sente nada
Embora de tanto querer
Mesmo quieto e parado
Digo cuidado, pois aqui dentro
Sinto mais do que muitos
Que fingem me ver

Mayara Floss

domingo, 16 de outubro de 2011

Petróleo: a droga da modernidade - Um “estudo” sobre o organismo global –


Os combustíveis fósseis – principalmente o petróleo – moveram a economia do mundo do século XX e movem a economia do século XXI. A injeção na veia da economia moderna do “ouro negro” propulsiona o coração das bolsas de valores e percorre rapidamente toda a rede e conexões da sociedade atual. O maior problema é quando essa rede leva o hidrocarboneto até o cérebro da nossa sociedade, atingido cada neurônio governamental criando uma euforia passageira que simultaneamente destrói o meio ambiente e as relações do viciado.

A droga altera o comportamento do usuário, precisamente porque suas moléculas clandestinas no sistema nervoso mexem no nível dos neurotransmissores, algumas substâncias fazem com que os impulsos se dispersem mais depressa, outras, como o petróleo, agem de forma inversa, ou seja, dificultam a passagem de recursos para todas as células populacionais criando um desequilíbrio no corpo social.

De acordo com o grau de uso da droga ela pode criar uma “farsa” para as células populacionais fingindo trazer uma mensagem que na realidade não existe. Infelizmente, a maioria dos usuários do petróleo passa rapidamente para esse estágio. Afinal, acontece o fenômeno de tolerância no qual são necessárias quantidades cada vez maiores da substância para que ela produza o mesmíssimo efeito no organismo.

A passagem da droga pelo organismo é traiçoeira, se logo no início despertam alguma sensação agradável para o corpo social, em seguida passam a fazer chantagem: o organismo passa a implorar sua presença. Esse círculo de dependência na sociedade moderna cria a idéia que a droga é imprescindível para o funcionamento do organismo.

A dependência da substância tóxica petróleo na sociedade moderna cria o medo das crises de abstinência o que a faz procurar a qualquer preço ter um estoque confortável para o vício. Caso falte a droga moderna, o organismo entra em guerra contra os amigos, parentes e nações vizinhas; e começa a se auto-destruir podendo resultar na morte de células populacionais evoluindo para a falência múltipla de órgãos – desde os rins da sociedade atual também chamado de ONU (Organização das Nações Unidas) que regula a filtração das atividades do organismo até o coração da economia social o que pode resultar na morte imediata.

As áreas mais afetadas com o uso contínuo da droga são a concentração e a coordenação motora atrapalhando o desenvolvimento de atividades que antes eram normais, deprimindo o sistema nervoso. O excesso do uso do petróleo pode ser potencialmente fatal se for utilizado junto com outras drogas conhecidas como o gás natural. Tal mistura pode liberar quantidades enormes de gás CO2 o que pode matar por asfixia o organismo global.

A administração dessas substâncias faz com que o a sociedade moderna não de conta de filtrar todas as sensações que elas criam. Desse modo podem levar ao colapso nervoso. Embora o cenário seja desanimador, já existem alguns remédios que conseguem acalmar o organismo e possivelmente ajudar na recuperação do viciado. Alguns, inclusive já são conhecidos da maioria dos especialistas pelo apelido de “energia renovável e limpa” que garantem o suprimento da maioria das necessidades do corpo global. Mas o alerta é grande, caso a dependência já esteja nos níveis caóticos causando guerras no ambiente dos usuários, e caos político nas células sócias o remédio deve ser administrado imediatamente em doses potencialmente maiores até que zere a dependência do petróleo.

Mayara Floss

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Temporalizando


Percebo o tempo passar ao entrar no mercado e ver a nova decoração. Ontem páscoa, hoje dia das crianças. Enquanto as bonecas, e carrinhos elevam-se entre as gôndolas, penso em quanto tempo passou. O que é “ver o tempo passar” ou “sentir o tempo” se estamos sempre temporalmente deslocados, queremos ser mais novos, mais velhos, mais... Mas nunca o que somos. Olho para as crianças correndo pelo supermercado com a maior novidade do momento o novo boneco de dinossauros, que eu lembro me divertir com um parecido há tempos atrás, me sinto criança enquanto minha memória brinca comigo trazendo o cheiro de uma boneca antiga. Passo pelo mercado pensando em o que é crescer e o que é o tempo. Não os adultos são sérios demais para a imaginação, o tempo já afogou as brincadeiras deles, melhor não pensar muito pela seriedade. Logo à frente duas meninas brigam para andar no carrinho de supermercado com o pai. Parece tudo tão vivo, mas ao mesmo tempo tão estático, deve ser o tempo modificando-se. Dando espaço e tempo para pensar. Nascemos envelhecendo e a vida não é a invenção mais antiga, nem mesmo do amor, mas o tempo veio primeiro, antes, também da luz. De tudo que passa, fica apenas a continuidade, o tempo. E não estou falando de anos, meses, dias, horas, minutos, ou medidas, mas da unidade que é a vida, o tempo. Envelhecer é o maior símbolo do tempo? Não, a consciência do tempo é o maior símbolo. Saber que em breve não estaremos mais aqui, que a vida é uma unidade simples, que começa do zero e tende ao infinito, mas que depois de um momento perde-se nos nossos sentidos simples. A melhor lembrança do tempo é a morte, e a morte a melhor lembrança da vida. O que são momentos, se não pegadas na areia, que com o tempo transformam-se em mar novamente, procura-se a felicidade, mas a felicidade é um sentimento velho, cheio de rancores dos momentos não felizes. Embora, a tristeza seja uma máscara da felicidade e vivamos para o tempo curar as tristezas e desmascarar as alegrias. Ou melhor, “tempo é experiência”, “tempo é dinheiro”, “tempo é vida”, “tempo é planejamento”, “tempo é agora”, no rol das possibilidades, fico perdida no tempo, porque continuo sem significado. Dessa forma vão falar que entre homens e gôndolas de supermercado existem mais coisas do que sonha a nossa vã filosofia. Porém, pergunto-me quando será que vou perceber o tempo novamente? Quando chegar o natal?

Mayara Floss

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Escre(ver)


Todos são poetas
Só que alguns
Colocam-se em palavras
Outros guardam a poesia
Para o seu coração

Afinal, nem toda poetização
Precisa ser escrita
A vida é singela demais
Para querer dividir-se
Em colocações

Embora, para aquele escreve
Não existe alento
Nem carinho
Que afague melhor o peito
Que se espalhe em efeito

Do que ficar em silêncio
E ser poeta de sentimento
Porque a poesia
Fica nos olhos do poeta.

Mayara Floss

domingo, 18 de setembro de 2011

Final de Semana


A semana só começa para muitos na sexta-feira, evolui para o sábado e já no domingo se entristece, seja pela má programação televisiva, seja pelo prenúncio da segunda-feira. Acho engraçado, que basicamente o stress, a correria do dia-a-dia, faz nos viver para o final de semana. “No final de semana vou descansar”; “No final de semana vou sair”; “No final de semana vou estudar”; “No final de semana vou cozinhar”; “No final de semana vou aproveitar para estar perto de quem amo” e assim por diante. Delegamos muitas alegrias para o final de semana. Se só descansamos no final de semana, o que é dormir durante a semana? A vida é para ser vivida além dos dias definidos do calendário. Será o tempo o culpado de tudo, ou a necessidade de fazermos caber muitas atividades durante a semana e fazer um corte para viver no final de semana.

Não é só o trabalho, muitos só leem no final de semana, só comem direito no final de semana, só o final de semana se reflete na vida que queriam levar. Mas levamos muito pouco dessa vida e se sobrevivemos para viver os finais de semana, perdemos outros cinco dias que podem ser de grande intensidade. A felicidade divide-se em pequenas doses diárias e não na solubilidade rápida do álcool do final de semana. O tempo é mais profundo, o final de semana não é descarregar todas as nossas emoções e ausência da semana, aparentemente, final de semana é o tempo que se tem para amar, para comer, para dormir, para sair da dieta, para quebrar as regras. O que se constrói com isso? Doses de alegria semanais intercaladas com a segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira? A felicidade vai além do sábado e domingo. O ritmo, a velocidade com que temos que tratar tudo nos faz virarmos o final de semana, vivemos em alta velocidade porque tempo é para os fracos, melhor uma rotina atribulada, ocupada em todos os horários, assim você faz mais coisas. Freamos no final de semana para descansarmos, mas sem muito tempo para pensar. Aliás, penso sempre se fazer mais implica em viver mais.

Nasci em um tempo onde não se tinha tanto material para ler, mas lia-se mais. Não tinha redes, nem internet, e-mails, mas nos relacionávamos melhor; inclusive no almoço mesmo no entre-horário do trabalho conseguíamos sentar em família à mesa, não deixando a necessidade angustiante por informação e notícias falando, o famoso jornal do almoço. Aliás, o amor era mais devagar, valorizava-se apertar a mão um do outro, estar perto era o suficiente, não o que é hoje esse corre-corre e as relações intensas e entrecortadas. Vivemos conectados, 100% em tudo, qualquer coisa tem o celular e aí daqueles que estão “fora de área”. “Fora de contexto”, “fora da correria”, antes um jogo de futebol era tudo, a expectativa o rádio ligado, hoje você pode com qualquer payperview assistir e saber de todos os times, ou no resumo do jornal do domingo. Ainda, vivi para ver o disco de vinil, as músicas trabalhadas e feitas com calma, prontas para serem digeridas pelos nossos ouvidos. Também, não existia comidas prontas, rápidas e indigeríveis ou melhor “comidas com sabor caseiro” prontas em três minutos.

Não vivo no passado, mas também não vivo de finais de semana. Me espalho todos os dias, cada geração entrega para a próxima aquilo que não foi. Seja cauteloso com a sua agenda, existem dois momentos nos quais não podemos fazer nada por eles: ontem e amanhã.

Mayara Floss

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Poeta


Me perdoe o atraso
Mas é uma maldição esta
do poeta
Ter que escrever nas
horas erradas
Mas é que o poeta não
tem tempo
Por isso ele está
Sempre perdido no espaço
Não aprendeu a ler o relógio
E não consegue colocar a vida
dentro de um compasso
Perdoe essa vida-poesia
Mas é que se não for assim
Não consigo poematizar
E tudo vira matemática abstrata
Regrada e amarrada
Por isso deixe-me ser menos
inglesa
Porque a espera
é o que faz um poeta

Mayara Floss

domingo, 11 de setembro de 2011

Facetas


Toda a asa que se abre contra o sol
deixa uma sombra na terra
Que isso não te impeça de voar
Que a tua sombra não seja medo
Mas seja a face da tua alma plena
Que não é só luz
Porque a penumbra é que fez a curiosidade
E continuamos completamente ignorantes
Qual seria o brilho de uma estrela
Se não existisse a ternura da noite?
Foram os sonhos antigos
Que construíram o que vivemos hoje
Por isso o tempo não tem horas
E as horas não tem tempo
Como flores esperando a primavera
Vivemos para desabrochar,
E com o vento cair ao chão
Para dar a continuidade
Qual seria a maior beleza da vida
Se não a sua amiga a morte?
O que nos moveria se tivéssemos
Todas as nossas certezas e tempo
Se ao alçar voo não tivéssemos
A companhia infinita do dia e da noite
Aliás, que essa não seja uma prolixa novidade
Mas a escuridão é o brilho da vida

Mayara Floss

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Magreza

Foto: Fabiano Trichez


Ultimamente, aliás, de vários anos para cá, tudo tem que ser magro. Magro é bonito, esbelto e atraente. Isso tem criado medos, medo de comer, medo de calorias, medo de engordar. Existe ainda medo da fome, mas tudo se resolve com uma vida light, com poucas calorias e pouco calor. Você pode ter queijo light, iogurte light, cereais light, comida light. Além de light tem que ser prático, rápido e fácil de preparar, porque o tempo também afinou. O corpo perfeito, tempo de academia suplementado. Suplemento para massa muscular, suplemento para emagrecer, para fortalecer, para alimentar – não esqueça de manter as embalagens em lugar fresco e seco, fora do alcance das crianças. Afinal, emagrecer tem o seu perigo. Fitas métricas no busto, cintura, coxas. Balança, a maldita balança, que poucos sabem equilibrar o peso de suas atitudes. O narcisismo pelo corpo perfeito, pelas gorduras queimadas pelo emagrecimento. Pergunto-me, tudo se isso não tem criado um outro tipo de magreza, a magreza de pensamento. Não é só a alimentação que está light, nossas leituras estão lights, porque é mais fácil ler sem pensar muito (assim, você não engorda o pensamento e se mantêm esbelto); as músicas estão cada vez mais fragmentadas, magras e menos estruturadas; os nossos sentimentos, as nossas relações estão emagrecendo, é melhor não se envolver, ter uma relação light para não sofrer depois, seja magro no amor também; vamos abreviar, cortar e diminuir todas as medidas, os olhares. Vamos estreitar nossa mente, para nos mantermos no padrão. Estamos com o tempo tão magro que as pessoas precisam receber e-mails de autoajuda, doses lights de carinho para manter-se em forma. Aliás, forma, que forma manter, o que é manter-se em forma? Qual é o formato ideal, quais são as linhas que queremos, qual é nossa embalagem, o nosso rótulo. Que magreza que existe, que medo de alimentar-se de coisas boas, comer um bom livro, digerir uma boa música, engordar nossas relações. Só por favor, mantenha-se magro, mas mantenha-se em local fresco e seco, porque a secura de sentimentos é magra, e mantenha-se fora do alcance das crianças, por favor, elas tem um tempo gordo, uma imaginação sem medidas e uma fome de curiosidade que não se encaixam na sua cintura.

Mayara Floss

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Liberdade


Desejo de liberdade? Vontade de libertar-se? A liberdade é assunto sempre, e sempre estamos para ser libertos. Os escravos foram libertos, mas depois eles tinham que se libertar do preconceito. A liberdade de expressão é liberdade ausente, pois só é liberto aquele que fizer tudo dentro da normalidade. E a loucura é a liberdade da normalidade, mas até prender-se no seu próprio mundo. Liberdade também é Avenida em São Paulo. Liberte-se da sede. Liberte-se da fome, mas a liberdade é insaciável. Liberdade é direito, mas dentro da lei. Liberdade é poder escolher, dentro das opções. As opções são a liberdade de escolha. A roupa é a liberdade de expressão, e a nudeza a liberdade da roupa. E a alma a liberdade do corpo. Somos libertos como cidadãos. Liberdade é estátua. Liberdade é ausência de culpa, embora os inocentes não sejam libertos. Liberdade é conceito. Liberdade é pós Revolução Francesa. E revolução é liberdade até deixar de ser revolução. Liberdade de escolha, mas não de opções. Liberdade de fazer o que quiser, dentro dos limites. Liberdade depois dos dezoito anos para dirigir, depois dos vinte e um anos para ser preso. Liberdade depois dos sessenta para andar em ônibus sem pagar. Liberdade de comprar, mas com juros. Liberdade jurada diariamente, e com cobrança por mais liberdade. Liberdade é bairro. Liberdade é vida e morte. Liberdade é não contar as horas, mas continuar no tempo. Liberdade é conhecimento, e conhecimento não tem fim. Liberdade é ignorância e a ignorância é liberdade cega. Não ter algemas é liberdade, embora não sinta as amarras que te prendem até mover-se. Liberdade é oceano, embora a areia limite as suas bordas. Liberdade é universo, embora a matemática limite o infinito em símbolos. Símbolos são liberdades cheias de significado e costumes. Costumes são liberdades ao avesso. Liberdade é andar de patins, até encontrar o chão. Liberdade é tocar o céu, embora tudo seja . Liberdade é andar à cavalo, até ele sentir as rédeas. Liberdade é silêncio. Mas a falta de liberdade silencia. Gritar é libertar-se, até o limite da sua voz. Liberdade é casar-se ou não. Liberdade é ausência de preocupação, embora você escolha suas preocupações. Liberdade é destronar um rei, mas ocupar o trono não é liberdade. E quando caírem todos os conceitos e você sentir-se livre, não se esqueça de uma liberdade maior que não está dentro dos seus conceitos.

Mayara Floss

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Contramão


Sabe ande com cuidado
Olhe para os dois lados
Mas não pergunte o porquê
Esta tudo o contrário
E em dezembro
Estamos comemorando São João

Me desculpe mas eu
Ando meio engasgado
Não sei se estou enganado
Mas abriram um circo
no meu coração

E eu consumi o meu significado
Não sei sou metrópole ou sertão
Os meus versos são foguete
Ou silêncio de canção

Esqueci o dicionário
E estou na contramão
Mas minha casa fica em qualquer esquina
Da avenida Getúlio com a rua sabatina
De nenhum chão

Minha janela, já não apaga as luzes
da escuridão
E a lua
Faz sombra para o violão

Sabe, andam me ditando as regras
E eu perdi as rédeas
Daquelas promessas
De Casmurro ou Sebastião

E a minha fonética
Já perdeu a ética
De escrever consolação
E mesmo na oposição
Continuo caquética
Na minha filosofia de sermão

Ora pois, já perdi os dados
E a minha estatística
Não passa de artística
Com gráficos recortados

Só não fique chateado
Porque se fiz um mar
No meio da cidade
É porque não tenho idade
Para fugir do meu lar

Mas não me impeça de amar
Porque ando atravessado
Pedindo desculpas ao invés de obrigado
Para apenas cantar
E se o que acredito
Virou história
Só peço para Santo Expedito
Encontrar a minha escória

E se ainda encontro um vestígio
Suplico por um resquício
É porque não sei fingir
Ser pela metade ou fugir

Mayara Floss


domingo, 28 de agosto de 2011

Beleza


A beleza é nua, você que veste ela de preconceitos para não ver. O que faz enxergar não é o que passa pela retina, mas o que atiça o centro da fome e come por dentro. O essencial foge ao gosto da aparência, e mais do que pavões, sentimos. Talvez isso que nos faça tão humanos. A nossa alma não tem roupa, nossos olhos e crenças que julgam. Se os olhos são a janela da alma, onde está a porta? O telhado? Onde edificamos esta construção, espero que não arraigados ao que é certo e errado, mas acreditando em ser diferente.

Ser diferente é normal dizem uns, outros dizem que ser normal é ser igual. Mas que tanto perpassa pelo conceito de normalidade. Quanto moralismo e roupa para definições. Acredito que estamos enfrentando um eterno inverno, vestimo-nos, escondemo-nos do frio das relações. Temos medo de se aproximar, porque o medo é cheio de modismo e cortes novos.

A moda é aceitar todas as cores, todos os jeitos, mas de preferência com a melhor marca. Ninguém é preconceituoso, só os preconceituosos que não enxergam isso. Nuca tudo foi tão complicado, apesar de termos mil e um apetrechos para facilitar a vida. Quantos cachecóis enrolam nosso pescoço, nossa vida, pegam-nos insensíveis por usar melhor as roupagens do que a nudeza da beleza.

Deixa o sol entrar pela janela, pela porta, pelo que envolve você. Coma menos, enxergue menos, deixe a sua pele retumbante, vibrar mais ao invés de cobri-la. Experimente. Se é frio, se o vento corta, se o calor queima, sinta-os.

Assim, o único conselho é dispa-se.

Mayara Floss

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Impessoal


Ultimamente tudo tem que ser impessoal. Não se envolva muito com os amigos, não confie muito nas pessoas, ou pior, confie desconfiando. Trate os outros como seus inimigos para não saíres prejudicado, fique na retaguarda, proteja-se. Não conte com os vizinhos, seja amigo de todos, mas com cuidado. Relacione-se, ame, mas não se entregue. Seja dono de si, seja independente das relações, não sinta – mas, seja um bom amigo, namorado, marido, amor. Não demonstre seus sentimentos ou pelo menos suas fraquezas. Demonstre seu poder, sua força e que os outros te temam, afinal, é melhor ser temido do que amado. Embora não pode se esquecer de amar. Aprenda com os outros, respeite os teus limites, mas se puder sair ganhando, melhor (e se na esquina tiver que passar a perna, afinal, os fins justificam os meios). Tudo é para um bem maior, ganhar mais dinheiro é para um bem maior, fazer caridade é para um bem maior, amar é para um bem maior. Porque amar é verbo de muito uso, mas essencialmente em desuso. Não gaste as suas energias em discussões, ou melhor, gaste-as porque discutir faz bem, é para um bem maior, é construção de ideia e ideais. Aliás, nunca mude de ideia, não pode perder o seu âmago, mudar de ideia é perder-se e você não pode perder-se se não os outros passarão e você nem passarinho. Seja arraigado porque a tua força são as tuas convicções e as tuas convicções o teu sentimento. E o teu sentimento? Assunto para o psicanalista, mas tudo para um bem maior. Ganhe dinheiro, pois sem ele você não vive bem, mas ganhe mais dinheiro para viver melhor, afinal dinheiro nunca é demais. Comida é demais, mas dinheiro não. Trabalho é demais, mas dinheiro não. Ache um tempo para você, mas ganhe dinheiro. Ache um tempo para os amigos, mas não esqueça de você. Seja perfeito, porque somos todos quadrados e nos relacionamos bem, ao menos mantenha as aparências. Ou seja redondo, porque desce mais fácil na garganta de todos. Ninguém precisa saber se não está bem, ou melhor, reclame! Reclamar é colocar tudo para fora, mas não se coloque para fora. Seja bom na campanha do agasalho, doe, mas não se doe. Saiba perdoar, não guarde rancores, mas se puder sair ganhando, perfeito. Sinta a dor, para poder recuperá-la, mas logo faça uma festa para ela passar mais rápido, hoje, tudo é rápido e você não pode nem deve ficar para trás. Pague as suas contas, mas não pague as suas promessas, no final somos todos perdoados. Dê conta das tuas responsabilidades e depois se preocupe como os outros, afinal eles são outros e não você. Seja o centro do mundo, porque se você não o ser, alguém será para você, mas seja humilde! A humildade é uma dádiva. Os humildes são sábios, portanto seja humilde e será sábio. Gaste, mas economize. Saia, mas não abuse. Abuse só de vez em quando. Coma direito, mas não se endireite. Seja bom o suficiente porque se for bom demais, será abusado. Não de conselhos, mesmo que você sempre acabe dando. Corrija primeiro os seus erros antes de reparar no dos outros, mas repare. Distribua e-mails cheios de sentimento, mas sinta pouco. Tenha a sua realidade virtual, mas não se esqueça do mundo real, embora deva atualizar seu status. Atualize-se, mas mantenha as coisas boas antigas. Mantenha-se, compostura, postura, a primeira impressão é a que fica. Mas não fique muito para não cansar. Não perca tempo, corra contra o relógio, mas descanse. Não descanse muito para não virar preguiça. Seja impessoal, mas não seja frio. Aliás, não passe frio, mas também não passe calor. Embora deva aquecer as pessoas. Sorria, mas não pareça louco. Enlouqueça, jogue tudo para o alto, mas não esqueça de chavear a porta, apagar a luz, dar comida para o cachorro, cumprimentar o padeiro, ligar para o encanador e cuidar daquele que escolheu para viver do seu lado. Mas não dependa, depender é fraco. E não seja fraco porque a lei é do mais forte (mas seja humilde). Não deixe tudo virar cotidiano e clichê, mas não perca a hora. E no fim, seja feliz, porque ser feliz é simples, você descobre a receita em qualquer banca de revistas.

Mayara Floss

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Encontro


Vejo o passado em quadros
Pindurados em palmas
Como uma lista de grandes amigos
Vejo as palavras rasgando
Na pele nua deste silêncio
em que grito meus perdões

Quanta chuva desceu
Pelas minhas mãos
Quantos finais
foram só de semana

Quantas vezes
Decorei uma mágica
Para improvisar
Quantos poemas errados
Quantos detalhes

Por favor, que estes versos não terminem
Porque amor é contorno

Que os meus ombros
Sejam leves
Porque as asas precisam
de céu para voar

Que os meus limites sejam estreitos
Mas meus olhos sejam amplos
Porque minha terra não tem divisão
Sou poema e paixão
Quantas canções
Para guardar
Quantas gavetas
Para esconder
Quantos milagres
Para pouco conhecer

Que não seja preciso muito
Para fazer-me sorrir
Que não sejam muitas moedas
Nem cansaço
Para descobrir que pouco vale

Quanta vida
Para pouco tempo
Quanto tempo
Para pouca vida

Que meus pés sejam pés
E não calçados
Que minha roupa seja corpo
Na nudeza do meu sentimento

Que os meus rios sejam grandes
Que as minhas linhas sejam estreitas
E minha visão ampla

Que o meu coração seja maior
Que os meus braços sejam abraços
Porque não sei viver sem ser descalço
Sem ser simples

Que o meu enredo, minha melodia
Seja muda, e só exista nas cordas
da minha mente
Porque quem vai dizer
Que a próxima composição
Será simples, em lá menor

Que o meu barco seja a eterna
primeira partida
Porque sou porto
E coração

Que a minha infância
Seja maior que a minha certeza
Que o meu silêncio
Seja paz

Que eu não seja fome
Porque o que passa aqui dentro
Ainda me move
Que as palavras sejam a minha metade
porque o resto da poesia é estendida
aos corações de quem as lê

Mayara Floss

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Berço da noite


Meus versos não tem hora.
Ainda bem, pois, já passou da meia-noite
A luz trêmula
Mostra a poeira sobre as palavras
E cega-me o papel branco

A cada pálpebra que cai
Meus olhos deixam o passado
E minhas mãos escrevem

O futuro de meu poema
Abre-se para tantos outros
E minha hora não tem versos

O poema me abraça
E procuro as rimas
Para ninar minhas letras
Talvez algum verbo
Provérbio ou adjetivo
Ficou em silêncio

Porque é noite
E a lua segurou-me pela mão
E levou-me para minha antiga casa
Porque o berço das palavras
Finge morar no futuro,
Mas vive no passado

Mayara Floss

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Colombina


Dentro da praça
Em baixo do palco
A Colombina faz
Das suas alegrias
Uma alegoria de quintal
Não tão improviso
As lágrimas de Pierrot
Foram rodas de despedida
E de tanto esperar samba
Ficou cigana
Para distrair o povo
E abrir o circo desta canção
Desculpe senhor
Mas já embarcou
Nas águas desta paixão
E de tanta inspiração
O malandro perdeu as cartas
E procurou os sinônimos
Para amor
E tudo não passou
De um dia de carnaval
Fugiu num carro de boi
Para fazer gingado
Perto de outro samba

Mayara Floss

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Partir

Foto: Fabiano Trichez

No paraíso do improviso
Talvez provisoriamente
Encontre as estrelas
E qualquer espaço
Se perde no universo
De qualquer inverso espacial

Na beira de qualquer estrada
Procurei você
De mão no chapéu
E com o chapéu na mão

E talvez a minha oração
Seja mais um pedaço de coração
Ou um coração em pedaços
Para justificar o céu cinza
Asfaltado de poeira

De pés descalços
E vidros descalços
Caminham pelo asfalto
Cuidando para não olhar para o alto
e perder-se no caminho

E caminho
Na minha caminhada
Pergunto para que lado
Está a minha encruzilhada
Para que lado fugi
onde me encontrei
e onde me perdi

Qualquer navio é embarque
E qualquer porto é chegada
E qualquer mar é partida
Enquanto partem-se os corações
marujos e navegantes

E partilham-se as histórias
Improvisadas de estrelas
E providas de escuridão
Em cada palavra
Palavreando o antigo refrão


Mayara Floss


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Baú



Num baú que se afunda dentro de mim
Como um oceano em fúria, de fé e frio
Que se entranha no intimo
De uma tempestade de chuva
e vento que afundou o meu navio

E no fundo d'água levou meus segredos
Arranhou o meu peito
e se adentrou na mágoa
da maré que leva os pedaços
do barco do meu coração

E se a areia cansou de fugir do mar
e levar os destroços
O mar abraçou-a e fugiu em uma onda
para depois retornar com os meus
segredos abertos em um baú de solidão

Basta pedir se trouxeste o mapa
Ou algum pirata sorrateiro
Roubou o meu baú e escondeu-me
de todos os meus segredos.

Mayara Floss


terça-feira, 5 de julho de 2011

Em qual parte de mim?


Quanto de mim
eu desencontrei?
Quanto de mim
eu não reconheço?
Qual metade de mim
eu perdi?
Quais olhos me encaram
no espelho?
Qual olheira come meu sono
e me come por dentro?
Qual sossego eu busquei
Para acomodar meus pensamentos
e esquecer meu âmago?
Qual rede me prendeu?
Qual isca me fisgou?
Que qualquer ideia
não passa de um lampejo de juventude
Visto a carapuça da retidão
para apagar meus anseios
A experiência é uma forma sútil
de esconder os próprios erros

Não sei em que parte de mim,
mas envelheci.

Mayara Floss

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Olhos nos olhos

Texto publicado no Cardápio Literário do 11° CBMFC organizado pela SBMFC

Invariavelmente, nós médicos (e futuros), somos privilegiados. Não pelo prestígio social, mas por adentrar na casa e na vida das pessoas. Isso não significa erguer-se em um pedestal e olhar para baixo, porém sim, olhar na altura dos olhos. Na verdade, não somos mais privilegiados do que a Maria, o João, o José, e outros tantos que conhecemos. Quantas vezes, a nossa mão conduz e quantas vezes confia-se e abre-se o fantástico livro da vida dos pacientes. Quantos olhares de esperança podem ser acendidos ou apagados por nossas palavras.

Vivemos com os dois olhos na cadeira no canto do corredor do hospital, sabemos da “indesejada das gentes” que nos visita no consultório, nos plantões, nas unidades de saúde. Inúmeras vezes, injusta ela carrega no colo nossos pacientes e fecha o livro de histórias. Ainda, rouba os livros da nossa estante, abraça nossos familiares e os leva, cutucando o nosso conhecimento e mostrando o quanto pesa as nossas amarras, quando tentamos nos levantar.

Somos espectadores da história, mas criamos expectativa. Inquiridores da vida sabemos sobre o amor e os olhos. A oftalmologia enxerga muito, embora os olhos passem da anatomia e fisiopatologia. Inevitável, sim, falar da medicina, sem falar das doenças, da saúde, dos exames. Porém, mais inevitável é não falar sobre os olhos, as janelas da alma, quantas vezes os nossos olhos apenas adentram a enfermaria e prontamente definem um diagnóstico.

Quantas vezes! Não chegamos a uma casa, visitar um paciente e nossos olhos são pequenos para ver. Quantas vezes senti meu coração saindo do peito, e nada de sinais semiológicos (nem psiquiátricos), apenas um soluço sem lágrimas para aqueles que vivi um pouco da vida deles. Quantas histórias ouvi, quantas perguntas eu fiz, quanto de mim ficou e quanto dos olhos deles ficaram.

Independente da história, do tão quisto “nível social” os olhos pacientes são os mesmos, embora com nuances. Quantos olhos passaram por mim e quantos eu realmente enxerguei. Incrível, como nos olhos, encontramos as memórias. Aqueles que cruzam por nós, lembram do nosso nome, das nossas mãos e dos nossos olhos – basta um olhar para provar.

De tantas decisões e olhos que passam por nós invariavelmente, por maior que seja o esforço, erramos. Errar, aliás, é humano. E por mais que tentem nos distanciar os olhos são os mesmos. E se a cegueira comeu por dentro, nada além da anatomia e dos acertos passaram pelos olhos. Os olhos são o tato da alma, eles percutem, apalpam e examinam. Independente do local. Quantos jalecos troquei e quantos eu deixei de lado, afinal a armadura dos olhos pode estar na brancura do tecido.

E as famílias pelas quais passei, entrei, participei. Dividiram seus olhares duvidosos, seus anseios e seu calor. Quantas histórias sem querer, quanto ouvido tive que ter (e tenho). E não me fale de pouca experiência, porque meus olhos apenas viram. E virão outros olhos. Embora, seja eternamente inexperiente.

E as lágrimas? Rios da alma que correm, e não falo apenas das lágrimas daqueles que por mim passaram, falo do meu choro – que tanto falam em esconder. Porém, as margens do rio que corre em meu rosto são humanas e embora com um tanto de saber, meus olhos são poucos para ver, e de olhos, cegueira e lágrimas – pouco sei. Embora saiba, de quantos olhos de dor eu vi, de pais sem filhos, filhos que perderam os pais, de pessoas com prognósticos ruins e daqueles olhos de dor, sem saber. Daqueles olhos silenciosos, quietos, submissos – que sinto a vida e a vida sente em mim.

Estou cansada de ouvir (e não ver) teorias sobre a distância que devemos manter, de não voltar, de não querer saber o que aconteceu. Estou cansada daqueles que “pavoneiam” todo o seu conhecimento e cegueira. De vangloriar-se da relação médico-paciente, sem se envolver! De reclamar, reduzir quem fica perto do paciente, quem se preocupa com a família, como vão passar os dias, e não apenas com a fisiopatologia. Estou cansada de olhos que não enxergam.
Descrever a medicina, é diminuí-la. E não por colocá-la em um patamar acima das outras profissões. É por não ter palavras, e apenas olhos para ver. E de tudo, olhos nos olhos é apenas o que posso dizer.

Mayara Floss

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