domingo, 27 de novembro de 2011

Carta aos professores


Professor,

Dessa vez não é a comemoração do dia do professor, mas o final do ano, em que as notas parecem falar mais do que as pessoas. E o nosso ensino aparentemente se resumiu em boletins, em colas para ir bem nas provas e articulações minuciosas para “subverter” o sistema. De fato os traquejos existem.

De fato várias falhas existem. Porém, quando escolheste ensinar, levar a luz aos seus alunos (seres sem luz de acordo com o latim) era porque acreditavas, e espero que ainda acredite no conhecimento e no poder do saber. Hoje, são muitas dificuldades, salários, desatenção e afins. Parece que tudo pode se aprender com a Wikipédia, o Google e o Youtube. Parece, mas não o é. Ainda, quando o livro parece ser maior do que você, e toda a teoria e muitas vezes arrogância leva ao desânimo, espero que isso não diminua a sua experiência e o desejo de orientar que move, ainda hoje, os avanços da humanidade.

A diferença é que ainda somos humanos e aprendemos com humanos. Muitas páginas de teoria podem ficar pequenas com um simples olhar. Muitos códigos de HTML e FLASH da internet podem ficar minúsculos frente a empolgação e a mão amiga de um professor. A vida é feita de escolhas, a escolha de ser professor possuí aquela ânsia de ver seus alunos um passo a frente de quando vieram as suas mãos, de ter certeza que será estendido e transbordado o seu conhecimento e das suas vivências naquelas jovens mãos.

A vida é feita de aprender, pode ser feita de esquecimentos, mas é feita de aprender. Um dia aprendestes a andar, outro a falar, outro a ler, outro a escrever, a dirigir, a trabalhar, a utilizar o banheiro. E ainda, não aprendeu tudo o que és, sempre o conhecimento é um conjunto, talvez não na forma exata de professor e alunos, mas apenas de pessoas com vontade de ensinar e aprender. Talvez, em miúdos, o professor seja a profissão mais antiga da Terra.

Se pensas que a profissão de professor está antiquada, repense, pois aqui estão alguns exemplos: Trousseau (1801-1867) foi um professor apaixonado que treinou nada mais, nada menos do que Lasegue, Brówn-Sequard e Da Costa. Já na segunda metade do século XX , existia uma professora grandemente inspiradora chamada Sophie Wolfe, de fato, ela sequer foi alçada ao posto de professora, era apenas a administradora dos laboratórios de ciências. as criou ali um clube de ciências, onde ensinava os alunos a discutir ciência entre si. Dentre os freqüentadores desse clube podemos citar: Arthur Kornberg (Prêmio Nobel de Medicina de 1959), Paul Berg (Prêmio Nobel de Medicina de 1980) e Jerome Karle (Prêmio Nobel de Química de 1985). Todos eles renderam homenagem a Sophie Wolfe. Entre tantos outros, não importa a posição, mas o que faz com os alunos.

Muitas vezes é muito difícil ser professor. Os humanos, ultimamente, parecem tão desinteressantes, mostrando conhecimentos limitados e que qualquer tablet consegue suprir essa falta. Parecem, porque, ao menos na medicina, quanto mais avança a tecnologia, mais se fala sobre a nossa desumanização (acredito que isso se estenda aos outros cursos, ensino médio e fundamental). Precisamos de professores, de mentores para nos espelharmos, somos os pedaços de tudo o que juntamos.

Como já disse Paulo Freire “fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem ‘águias’ e não apenas ‘galinhas’”. A frustração faz parte do crescimento de ensinar, porque apesar de professores, ainda somos alunos da vida. Ainda, a educação não é vertical, sempre há uma troca e aprendemos com essa grande maestrina, a vida.

Talvez, neste exato momento, seja difícil veres o teu papel e o que fizestes. Mas não podemos conectar os pontos olhando para o futuro e sim, apenas, olhando para o passado. Que continuem sendo professores, bons professores, e que possam esparramar-se dentro de cada um dos seus educandos.

Com carinho,

Mayara Floss

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Corpo e alma


No universo do corpo ambíguo do violão
Nas cordas rotas dos meus dedos
Que rasgam silêncios sem palavras
Apenas com sentimentos
Cada vibrar de som desta guitarra
Que pulsa nesta madeira
Que se deleita nas formas e trastes
Que desafinam o meu coração
Que estende-se em vida através dos dedos
E me desafiam neste bojo
Que entranham os sons de minh'alma
Neste poço de paixão
Neste guitarrear de sentidos
Somos corpo e alma, violão

Mayara Floss

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Hoje



Hoje as portas vão se abrir
Porque não cabe estrada
Nem a distância, nem chão
Os poetas vão sorrir
Para poder escrever abrigo
Hoje vou sair com os amigos
Não vou deixar que as letras
Sejam de melancolia
Porque a miséria não cabe
Nesta alegria,
Vou roubar aquela estrela
Para colocar na sua janela
E mostrar que o pequeno
É o brilho da nossa rede
Deixem se confessar
A chuva que me banha
Que me lava, é o sol
daquela estrada
Deixa o coração bater
E a vergonha escancarada
Porque o dia vai amanhecer
E a madrugada é cheia de vida
Quero dançar a ciranda
Contar histórias de criança
Sem nostalgia
Porque hoje, sou poesia
Minha alma quente,
Em chama, vela, voa
No brilho da lagoa
Do que me encontro
Sem medo da lua
Vou rasgar esse cegueira
E para o frio numa lareira
Com essa intensidade
Porque amanhã não tenho garantia
E o vento levará a nossa folia
É muita dor para pouco
Deixe que essa sede de ser
Seja simples, porque sorrir
É abrir a tristeza
Porque a beleza
Está na nossa leveza
E onde quer que eu esteja
Que esse seja, ao menos hoje,
O meu sinal

Mayara Floss

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Doce sal


Meu mar
Minha porção de sal
Minha terra azul
Meu pampa de água

Embala a alma
Balança minha calma
Deixa o sol entrar
Deixa a pele tocar

Chama-me Pela janela
Castelo de areia
Pedaço de sereia
Braços abertos de Iemanjá

Canto uma pequena
Canção para a lagoa
Para a poesia
Dessa água doce

Que também é sal
Tão temperamental
Tão agosto
De tantos gostos
De tantos meses
e que banha o laranjal

Banha meus dias
E a sede dos meus olhos
Se faz alegria
Quando é berço
E adormeço no seu infinito
E simplesmente aconteço
Em tuas ondas

Cada ilha
Cada fronteira infinita
Quantos marinheiros
Quanta pólvora e
Quanto pescar as dores
na Torotama
E um pedacinho meu
é Taim

Aqui as lágrimas
Não são de Portugal
Mas a pena vale
E pequena é a alma
Daqueles que não amam
Este teu doce sal

Mayara Floss

domingo, 13 de novembro de 2011

Recrutas


Uma singela homenagem ao projeto que participo
"Recrutas da Alegria" no Hospital Universitário
da Universidade Federal de Rio Grande

Se acalma com a simplicidade
de um arco-íris
afinal viemos de outra cidade
De outro canto
De outro lugar

E sim a tinta é nossa pele
mais despida
É nosso sorriso mais sincero
E nossas lágrimas mais queridas

Todas as técnicas
De silêncios e de falas
De corpo e de amarras
Perdem o sentido em uma risada

Renascemos com cada mão
Com cada olhar
Com cada pequeno carinho
E bailamos no saguão
Para espantar os inimigos

Bolinha de sabão
Aperto de mão
Bichinho de balão
E estamos prontos

E se na lua há
Brotos esquisitos
Todos já foram nos namorar

Talvez não tão espertos
Na arte de curar
Mas certamente despertos
Para amar

Mayara Floss

Conheça melhor o projeto: http://recrutasdaalegria.blogspot.com/

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ontem


O tempo pode ser uma unidade musical. Um espaço entre os ponteiros do relógio. Uma previsão. Um formato verbal. O tempo é a unidade que nos separa do nosso nascimento até a morte. Porque o tempo é a consciência de si, do envelhecer e das modificações. O tempo não para. Ou melhor, o tempo só tem valor com a intensidade do que se vive. Não existe falta de tempo, mas falta de intensidade. Entramos em rotinas que colocam nosso tempo em uma escala de ontem, tudo é para ontem e o que pode postergar é para amanhã.

E assim vivemos em função do que passou e o que podemos dividir para amanhã. O presente, não é aquilo que recebemos (ou não) no natal ou no aniversário. O presente não é tempo verbal, nem uma unidade musical, nem a distância entre os ponteiros do relógio. O presente é o que te move, o que movimenta o teu interior o que te conquista a cada dia e aproxima-te do teu final e afasta-te do teu início. Não, falar de final não é ruim, é o ciclo. É parte do todo que fizemos. Porém, no final é que queremos as coisas diferentes e não no presente, é sempre no final que pensamos que poderíamos ter feito diferente.

É perto do fim que pensamos sobre porque não parei de fumar, brigar, trabalhar, beber. É no final do namoro, do casamento, do mês, da faculdade, do trabalho, do mestrado, do doutorado, do estágio, do ano e no final dos finais, da vida... É no final que queremos a intensidade do presente, que pensamos e refletimos sobre o que passou. E aí entramos na questão dos prazeres, porque antes viver bem poucos anos do que ter uma vida longa. Será?

Por medo de julgamentos é melhor não se expor, não mostrar os sentimentos. Todo o tempo com medo dos erros, de errar e na tentativa eternamente frustrada de ser o melhor. Muitos dizem que vão aproveitar o tempo nas férias, naquela viagem, ou no feriado. O inquietante disso é: o que fazes no resto do tempo? O tempo é um só, os humanos que gostam de fragmentá-lo para caber nos ideários de produção.

O que podemos dizer hoje, é que as fronteiras são menores (para alguns, porque é ideia errônea pensar que todos tem acesso a tudo e que somos o pequeno centro umbilical), que a expectativa de vida em geral aumentou, mas que as reclamações são maiores, o tempo é menor e todos querem dias com mais de 24 horas.

O relógio virou uma moda sem precedentes de todas a cores formatos e estruturas. Para a parede, para o pulso, para correr, para monitorar, para despertar. Mas será que despertamos, acho que sempre estamos para ser despertados. Desperte-se do tempo.

...

Apesar de tudo, o nosso despertador irá tocar amanhã.

Mayara Floss

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

(In)completa



Para cada lugar que fui
e que vou
Fui adotando novas pessoas
Para meu coração

Fui envolvendo novos
Pedaços de chão,
mar ou canção
Pequenas partes minhas

Fui deixando-me, também
pela estrada
Não com egoísmo
Mas por fazer parte
Daquilo que me participa

A vida é quebra-cabeça
E em cada pedaço
Vamos preenchendo os
nossos espaços

Encaixando as nossas
próprias peças
E confesso:
Só assim consigo ser
Sou completamente
(in)completa

Mayara Floss

domingo, 6 de novembro de 2011

Dor


“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”

Fernando Pessoa


A dor é nosso íntimo mais desperto, o nosso furacão e a face da nossa personalidade nua. Doer é afundar em si e ser humano, porque os outros sentidos são mais paz e serenidade do nosso ser, mas a dor nos leva ao mais profundo e o que não queremos exposto. A dor é a chama que queima em nosso corpo. Porque a dor não se esconde com um sorriso, nem com palavras, nem movimentos. Ela despe as máscaras e mostra o quanto precisamos de amparo, cuidado e proteção. Doer pode colocar uma tristeza imensa, um desassossego e fazer secar o nosso poço de calmaria. A pior dor não é aquela que nos relatam, que vemos ou que tocamos. A pior dor é a que sentimos. Ninguém pode doer, entender ou comparar a dor, todas são profundamente diferentes, apesar de poderem ser lidas e registradas mentalmente como entidades parecidas. “Eu entendo a sua dor”. Entender a dor, é algo muito complexo que a nossa face coberta não consegue fazer, apenas mascarar e sentir um pouco da dor do nosso par, porque por maior que seja a muralha, a dor contamina e dói um pouco nos que estão perto. É desconfortável falar de dor, a não ser que torne o fato mecânico e não entre no seu consciente de dor. A dor é surda ou em aperto, ardência, queimação, irradiada, cólica, pontada... e até a dor é doída. Na nossa pele é que queremos estar porque é nela que suportamo-nos. E se a ideia for doa a quem doer, diria apenas doe-se. Porque doar-se implica em doer, em sentir em entregar-se. A dor é a entrega da nossa pele, do nosso ser, do nosso silêncio interior. A dor de perder, de sentir, de morrer, de renascer, a dor de bater o dedinho do pé no canto da porta, a dor de doer. Não, não que a vida seja dor, não que a dor seja patológica, a dor é sentimento. Por favor, antes de entender, compreender, saber e diagnosticar, apenas sinta. Porque nem sempre o alívio da dor faz ela deixar de doer.

Mayara Floss

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Incerto


Acredito no incerto.
Porque o certo
já está certo e pronto.
Não nos leva a caminho nenhum.

Pode-se escolher
a vida que queres
Mas não poderá escolher
a morte que queres

Por isso, siga o incerto
Porque ali avistará
Ao menos o imprevisto
no caminho

Vista o incerto, porque
ele tem mais possibilidades
E menos probabilidades

Pelo incerto, feche o seu guarda-chuva
As incertezas é que avançam
a humanidade


Mayara Floss
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