domingo, 6 de novembro de 2011

Dor


“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”

Fernando Pessoa


A dor é nosso íntimo mais desperto, o nosso furacão e a face da nossa personalidade nua. Doer é afundar em si e ser humano, porque os outros sentidos são mais paz e serenidade do nosso ser, mas a dor nos leva ao mais profundo e o que não queremos exposto. A dor é a chama que queima em nosso corpo. Porque a dor não se esconde com um sorriso, nem com palavras, nem movimentos. Ela despe as máscaras e mostra o quanto precisamos de amparo, cuidado e proteção. Doer pode colocar uma tristeza imensa, um desassossego e fazer secar o nosso poço de calmaria. A pior dor não é aquela que nos relatam, que vemos ou que tocamos. A pior dor é a que sentimos. Ninguém pode doer, entender ou comparar a dor, todas são profundamente diferentes, apesar de poderem ser lidas e registradas mentalmente como entidades parecidas. “Eu entendo a sua dor”. Entender a dor, é algo muito complexo que a nossa face coberta não consegue fazer, apenas mascarar e sentir um pouco da dor do nosso par, porque por maior que seja a muralha, a dor contamina e dói um pouco nos que estão perto. É desconfortável falar de dor, a não ser que torne o fato mecânico e não entre no seu consciente de dor. A dor é surda ou em aperto, ardência, queimação, irradiada, cólica, pontada... e até a dor é doída. Na nossa pele é que queremos estar porque é nela que suportamo-nos. E se a ideia for doa a quem doer, diria apenas doe-se. Porque doar-se implica em doer, em sentir em entregar-se. A dor é a entrega da nossa pele, do nosso ser, do nosso silêncio interior. A dor de perder, de sentir, de morrer, de renascer, a dor de bater o dedinho do pé no canto da porta, a dor de doer. Não, não que a vida seja dor, não que a dor seja patológica, a dor é sentimento. Por favor, antes de entender, compreender, saber e diagnosticar, apenas sinta. Porque nem sempre o alívio da dor faz ela deixar de doer.

Mayara Floss

2 comentários:

  1. Acho que a pior dor, depois daquela que te rasga até a alma, é aquela que tu já te acostumastes. Ela está ali, e tu achas que não a sentes mais.

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  2. Texto denso, cheio de ideias interessantes, para ser degustado lentamente, refletindo e pesando os significados. Parabéns. Sparvoli

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