quinta-feira, 13 de setembro de 2012

“Eu não posso perder”


     A vida é uma linha tênue que liga-nos em sangue e luta. Cada batalha interior, dentro das paredes do que vivemos torna-se um pequeno triunfo de existir. Somos anestesiados pelas horas, pelo dia-a-dia, mas a dor é independente do poder da anestesia, ela corta, queima ou dói em pontadas, e nunca estamos preparados.
    Era madrugada, ela tinha uma tatuagem no pé, os cabelos curtos e pitados, olhos verdes, o corpo magro, as unhas pintadas de vermelho, um resto de maquiagem na face, era pequena. Enquanto adentrava o Centro Cirúrgico já estava em torpor, submersa nos minutos anteriores. A equipe se preparava, naquele automatismo rápido e preciso (dentro dos limites humanos), alguns gritos e alguns silêncios. Uma enfermeira lia a história da paciente enquanto ajustavam as luvas. Ajustava-se a luz, terminava de aprontar a instrumentação. Silêncio.
     O tempo parecia anestesiar os minutos, logo todo o nervosismo passou, era anatomia, era cirurgia. Doía mesmo sem consciência. Enquanto a experiência parece justificar todo o método da equipe, consciente ou não ela deixa rolar uma lágrima. O vermelho, o cheiro, o soluço sem choro estavam na sala. Há sangue correndo, provando o quão delicada é a vida. Às vezes o silêncio parece tocar uma doce música triste, enquanto ele é interrompido por algumas palavras como “pinça” - ele vai afinando o futuro.
Ela sonha, com os dinossauros de plásticos que havia comprado, imaginando eles jogados chão, sonha com o quarto, o guarda-roupa, o assoalho, o cheiro. Ela vive aquela ausência presente da sua imaginação.
    Depois de algumas bolsas de sangue e de oscilação, ela sente aquele momento em que o coração parece parar de bater, embora ele continue sem perder o ritmo.  Talvez seja hora de acordar. O sono artificial é como uma nuvem que se dissipa rapidamente. E logo começam a chamar pelo nome, a dar leves tapinhas no rosto. As respostas iniciais são pequenos resmungos. A equipe tinha aquela dor de rasgar a alma, mas que já não sentiam mais, pois tinham se acostumado.
    Demorou para ela despertar do sonho, já estava na sala de recuperação, a boca e a lágrima secas. Enquanto piscava os olhos, começou a falar repetidamente, primeiro ninguém compreendia. Depois com o tempo e a doce música triste do silêncio as frases repetidas começaram a ficar claras e com a mão no ventre dizia: “Eu não posso perder”. 

Mayara Floss

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